da terra

do folclore, das lendas, das histórias, dos trajes e das gentes da terra

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“O Presente será Filho do Passado. E haverá continuidade em vez de repetição”

– Pedro Homem de Mello

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Julho 23, 2008 at 3:38 pm

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Pascoaes e a “invenção” da Saudade

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Teixeira de Pascoaes, poeta, escritor, ensaísta, é também o chefe de fila de um movimento literário conhecido por “saudosismo” que se desenvolveu a partir de 1912, como um movimento artístico e literário de reacção contra o cosmopolitismo. Centrado na revista A Águia e caracterizado inicialmente por uma grande abrangência, o movimento liderado por Pascoaes insere-se no quadro mais geral das tendências nacionalistas que se desenvolviam na vida portuguesa desde os anos 90 do século XIX e que se acentuaram com a implantação da Rapública, encarada como uma ocasião única para a regeneração do país. Os principais objectivos do movimento eram devolver à cultura nacional e à vida portuguesa em geral a sua grandeza perdida, substituindo as influências estrangeiras – tidas como responsáveis pelo declínio do país desde os descobrimentos – pelo culto das coisas portuguesas, que reflectissem a alma nacional.

É neste quadro genérico que Pascoaes irá propor a saudade como tema estruturador central do carácter nacional português. Não era esta a primeira vez que o tópico era tratado dessa maneira. Como de resto Pascoaes é o primeiro a lembrar, D. Duarte, Duarte Nunes de Leão, Luís de Camões, Rodrigues Lobo ou Almeida Garrett já tinham encarado a saudade como um motivo especificamente português. No final do século XIX, António nobre (1867-1900) tinha de novo colocado o tema da saudade na agenda poética e cultural portuguesa, estabelecendo um nexo entre a nostalgia da grandeza perdida e da pátria e nostalgia da felicidade da sua infância. Mas, independentemente deste desenvolvimentos anteriores, com Pascoaes era a primeira vez que alguém considerava a saudade não apenas como um tema especificamente português, mas como o tema português por excelência, no quadro de um empreendimento de cariz declarada e resolutamente nacionalista com prepercussões importantes na vida cultural portuguesa.

Propondo a saudade com núcleo estruturador da alma portuguesa, Pascoaes irá reestruturar profundamente o modo como a temática da psicologia étnica portuguesa era até então vista. Assim, e em contraste com a dispersão até então prevalecente, parece gerar-se um consenso sobre a melhor maneira de caracterizar a psicologia étnica portuguesa. esta – na continuidade das propostas de teófilo Braga – deveria ser pensada, por um lado, ao nível dos sentimentos. E, por outro lado, deveria ser também vista – contra Adolfo Coelho e Rocha Peixoto – como um factor de hierarquização positiva do povo português.

De facto, e em primeiro lugar, Pascoaes encarava a saudade como algo que definiria a especificidade da psicologia étnica portuguesa ao nível dos sentimentos e das emoções. No seguimento de Duarte Nunes de Leão e de Almeida Garrett, Pascoaes definiu a saudade como “o desejo do ser ou da coisa amada, em conjunto com a dor pela sua ausência. Desejo e dor confundem-se num só sentimento” que combina um elemento carnal ou material – o desejo – com um elemento espiritual – a dor – , uma orientação em direcção ao futuro – o desejo como esperança. a saudade seria nessa medida, de acordo com Pascoaes, um sentimento contraditório que ligaria universos tidos usualmente como separados, como o material e o espiritual, o passado e o presente.

Definida desta forma, a saudade deveria ser considerada, em segundo lugar, não aopenas como a essência mesma da alma portuguesa, mas como um factor de hierarquização positiva da cultura nacional. De facto, a saudade seria o grande sentimento que se encontra por trás da grandeza de Portugal e dos principais acontecimentos que sucessivamente lhe deram expressão, como a fundação de Portugal por D.Afinso Henriques, a vitória de 1385 em Aljubarrota, os descobrimentos, o sebastianismo, a Restauração de 1640 ou a revolução republicana de 1910. Nessa exacta medida, restituir à saudade o seu lugar central na vida portuguesa seria equivalente a recuperar para Portugal a sua grandeza perdida.

Produzida a partir do ensaísmo literário, a saudade de Pascoaes não releva entretanto exclusivamente de uma reflexão de matriz literária. A grande inovação que Pascoaes instroduziu no tratamento da saudade passa efectivamente pelo modo como ele elabora uma espécie de “etnografia espontânea” do tema, isto é, como produz em seu torno um conjunto de reflexões de forte orientação etnocultural em que conceitos e ideias sobre o povo, sobre raízes étnicas e sobre cultura ocupam um lugar relevante. Assim, a saudade poderia ser vista, antes do mais, como uma criação colectiva do povo português, enquanto entidade etnogenealogicamente concebida. a sua existência remontaria de facto ao tempo dos lusitano, vistos como o produto da combinação de um elemento ária – ou ariano – com um elemento semita. esta origem dual da cultura lusitana e, depois, portuguesa, expressar-se-ia de resto na própria concepção contraditória da saudade como dor e desejo. enquanto que a dor se ficaria a dever à influência semita, o desejo reflectiria o peso das raízes árias na formação étnica de Portugal.

Simultaneamente, na argumentação do carácter português da saudade, Pascoaes recorreu abundantemente a factos extraídos do universo da cultura popular portuguesa. À semelhança de Teófilo Braga, concedeu grande importância à poesia popular portuguesa e, em particular, ao cancioneiro popular, encarando-o como “a obra mais representativa da raça” e como aquela onde melhor “transparece a fusão dos contrastes”. Rituais religiosos como a Encomendação das Almas, assim como outras expressões da religiosidade popular foram também utilizadas por Pascoaes como instâncias fundamentais de demonstração do carácter português da saudade.

Como se sabe, a publicação das teses de Pascoaes suscitou uma polémica muito viva. Um dos adversários mais virulentos de Pascoaes foi António Sérgio (1883-1969). Defendendo enfaticamente um ponto de vista racionalista e anti-nacionalista acerca do tópico, Sérgio optou por centrar os seus ataques a Pascoaes em torno do carácter supostamente intraduzível da palavra saudade. De facto, segundo Pascoaes, o povo português seria:

“o único povo que pode dizer que na sua língua existe uma palavra intraduzível nos outros idiomas, a qual encerra todo o sentido da sua alma colectiva (…) Sim: a palavra saudade é intraduzível. O único povo que sente a Saudade é o povo português (…). Os outros povos europeus sentem naturalmente uma espécie de saudade que em francês é souvenir, em espanhol recuerdo, etc. Mas este sofrimento, nesses Povos, não toma alma e o corpo que adquire no sentir português. Souvenir ou recuerdo são apenas um elementos da Saudade, cujo perfil é inconfundível. e por isso, ela se exteriorizou numa palavra que não tem equivalente noutras línguas”

Para antónio Sérgio, pelo contrário, a palavra saudade não era de maneira nenhuma intraduzível:

“muito ao contrário do que Pascoaes afirma, a palavra saudade é traduzível. Várias nações a representam por um termo especial: o galego tem soledades, soedades, saudades; o catalão anyoransa, anyoramento, o italiano desio, disio; o romeno, doru, ou dor; o sueco saknad; o dinamarquês, savn; e o islandês, saknaor…”

Carolina Michaelis de Vasconcelos também não subscrevia as teses de Pascoaes sobre o carácter intraduzível da saudade, tentando igualmente – à semelhança de Sérgio – mostrar que um certo número de línguas europeias possuíam também equivalentes da saudade:

“é inexacta a ideia que outras nações desconheçam esse sentimento. É ilusória a afirmação (já quatro vezes secular) que o mesmo vocábulo Saudade (…) não tenha equivalente em língua alguma do globo terráqueo e distinga unicamente a faixa atlântica, faltando mesmo na Galiza de além-Minho”

Segundo Carolina Michaelis, saudade tinha de facto equivalente em quatro outras línguas da península ibérica: soledad ou soledades em castelhano, senhoredade no asturiano, morrinha no galego e anoryanza e anoryament no catalão. De resto, seria possível encontrar termos similares noutras línguas europeias: sehnsucht em alemão, längta em sueco. A particularidade da saudade residiria no seu uso mais frequente em português, por exemplo, durante os descobrimentos ou na literatura, e na importância da sua contribuição para a configuração da “alma portuguesa”.

Apesar desta controvérsia, as ideias de Pascoaes receberam em geral um acolhimento bastante favorável. Como escreveu Óscar Lopes, “as principais ideias de Pascoaes estão em sintonia com a cultura portuguesa do seu tempo” e, entre as elites culturais portuguesas, a saudade torna-se num instrumento relativamente usado para falar nas especificidades do ser português. (…)

Leal, J. (2000). Etnografias Portuguesas (1870-1970) – Cultura Popular e Identidade Nacional. Ed: Publicações D.Quixote, Lisboa

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Julho 9, 2008 at 12:21 am

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Portugal para os outros

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‘Picturesque Review of the Costume of the Portuguese’ is an album of twenty one gouache sketches from about 1836, owned and hosted by the National Library of Portugal.

The only background appears to be a circumstantial relationship with another album from the same time period, but the identity of the artist is not known.

I suspect that the album was produced by a Portuguese artist as a memento for sale or as a gift for a British tourist. The sketches are sympathetic and most I would describe as quaint portraits. Even the true caricatures are gently humorous without any hint of malevolence. The language in the title and in some of the captions is just a little skewed or unusual, more likely associated with a non-native speaker, to my mind. I may of course be completely wrong. It’s a sweet little series in any event.

All of the images above have been fairly extensively – but not severely – cleaned up, including removal of the library stamps. There was quite a bit of age related background staining.

retirado daqui: BiblioOdyssey

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Abril 9, 2008 at 10:32 am

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O tangromangro

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Nasceram dez meninas

Metidas dentro de um fole;

Deu-lhe o tangromangro nelas,

Não ficaram senão nove.

Essas nove que ficaram

Foram ver passar o broito

Deu-lhe o tangromangro nelas,

Não ficaram senão oito.

Essas oito que ficaram

Foram ver passar o valete;

Deu-lhe o tangromangro nelas,

Não ficaram senão sete.

Essas sete que ficaram

Foram ver passar os reis;

Deu-lhe o tangromangro nelas,

Não ficaram senão seis.

Essas seis que ficaram

Foram ver passar o brinco;

Deu-lhe o tangromangro nelas,

Não ficaram senão cinco.

Essas cinco que ficaram

Foram ver passar o rato;

Deu-lhe o tangromangro nelas,

Não ficaram senão quatro.

Essas quatro que ficaram

Foram ver passar a rês

Deu-lhe o tangromangro nelas,

Não ficaram senão três

Essas três que ficaram

Foram ver passar os bois

Deu-lhe o tangromangro nelas,

Não ficaram senão dois.

Esses dois que ficaram

Foram ver a procissão;

Deu-lhe o tangromangro nelas,

Não ficaram senão um.

Esse um que ficou

Foi ver amassar o pão;

Deu-lhe o tangromangro nelas,

Acabou-se a geração.

(Penafiel)

Coelho, Adolfo. Festas, Costumes e outros materiais para uma Etnologia de Portugal, Vol.I, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1993

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Janeiro 2, 2008 at 6:27 pm

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Apodos pelos nomes

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Ó José Carramé,

Bota os gatos à maré,

Enfiados numa linha,

Para tocar a campainha.

Ó João Carramão,

Vai com a ceira

Ao carramão.

Ó Luís, Ó Luís

Tira a caca do nariz,

Vai lavá-la ao chafariz.

Ó Rita,

Caganita,

Quando mija

Vai de bica.

Written by madameclock

Janeiro 2, 2008 at 6:22 pm

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O cego fingido

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– Donde vens, ó Ana?

– Eu venho da missa.

– Retira-te, ó Ana,

Que lá vem justiça.

– Se lá vem justiça

Deixai-me ir embora

Que a minha portinha

Não se abre agora.

Qual é o vadio

Que a esta hora anda

Que eu estou em faxinhas

Para me ir à cama

– Se estás em faixinhas,

Eu assim te quero;

Se hás-de ser minha

Eu por ti espero.

– Acorde minha mãe,

Do doce dormir;

Venha ver o cego

Tocar e pedir.

– Se toca e pede,

Dá-lhe pão e vinho,

Para que o cego

Siga o seu caminho.

– Nem quero o seu pão,

Nem quero o seu vinho;

Queria que a menina me ensine o caminho.

– Ora vai, filha, vai,

Leva roca e linho

E ensina o caminho

ao triste ceguinho.

– Espere lá, ó cego,

Que eu estou-me vestindo

Minha saia roxa,

Meu gibão de linho.

Espiou-se-me a roca, Acabou-se-me o linho;

Adiante, cego,

Lá vai o caminho.

Lá mais adiante

Está um verde pinho.

Ora venha menina

Mais um bocadinho,

E ensine o caminho

Ao triste ceguinho.

– Valha-me Deus

É a virgem Maria,

Que vejo tanta gente

De cavalaria

Nunca eu vi cego

Com tal fantasia;

Sua espada d’ouro

À cinta trazia

De condes e duques

Era pretendida;

Agora dum cego

Me vejo perdida.

Ascuite, menina,

Não teu há agonia

Que eu sou o mesmo conde

Que a pretendia.

Adeus minhas casas,

Adeus minhas terras,

Adeus minha mãe,

Que tão falsa me eras.

Estando à minha janela,

Dei volta para a Ferraria;

Passou um certo sujeito

Olhou mais do que olharia.

Se ele tornar a olhar

Alguma lhe hei-de dizer

Que não vá dizer o mundo

Que isto é por bem querer.

– “Se isto é por bem querer,

Não importa que o diga;

Se eu olho para cima,

O seu amor me obriga.”

– “Não sei que o obrigue.

Nem que o possa obrigar,

Estando à minha janela,

Tão sisuda sem falar.”

– “Essa sisudez

Ainda é o que mais m’obriga,

Que é o melhor dos modos

Que tem uma rapariga.”

– “Ó meu pai e minha mãe,

Uma lhes quero dizer;

Falaram-me em casamento,

Sem vocemecês saber.”

– “Qual foi o cavalheiro,

Que a tal se atreveu;

Falar nesse casamento

Sem saber se quero eu!”

– “Vá-se meu pai informar

E venha bem informado,

Que, se ele é de seu gosto,

É muito do meu agrado.”

– “Não tenho que te dizer,

Nem tão pouco que m’informar.

Era um maroto, um brejeiro,

Que te queria enganar.”

– “Vá-se lá, sei cavaleiro,

Case lá com quem quiser,

Que não é meu pai contente,

Que eu seja sua mulher.”

“Dá-me cá aquela faca

Que me quero matar”

– “Se ele morre por mim,

Por ele quero morrer;

Adeus, meu pai e minha mãe,

Que os não torno a ver.”

(Celorico de Basto)

Coelho, Adolfo. Festas, Costumes e outros materiais para uma Etnologia de Portugal, Vol.I, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1993

PS: Também deste romance se pode ouvir uma versão dos Gaiteiros de Lisboa no álbum “Novas vos trago”, entitulada “O Falso Cego”.

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Janeiro 2, 2008 at 6:18 pm

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Donzela que vai à guerra

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– Dai-me armas e cavalo,

Que eu serei filha varão.

– Tende-los olhos mui lindos

Filha, conhecer-vos-ão.

-Quando passar por a gente

Botarci-os para o chão.

– Tendes os ombros mui altos,

Filha, conhecer-vos-ão.

– Dai-me armas bem, pesadas

Que eles descerão.

– Tende-las mãos muito lindas

Filha, conhecer-vos-ão.

– Metê-as-ei numas luvas,

Nunca delas sairão.

– Tende-lo pé pequenino,

Filha, conhecer-vos-ão

– Meterei-os numas botas

Nunca delas sairão.

– Ó minha mãe, que eu morro.

Abafo do coração

Que os olhos de D.Cales,

São de mulher, de homem não,

– Convida-o meu filho, convida-o,

Para contigo passear,

Que se ela mulher for

Às flores se há-de atentar.

– Forte flor para uma dama,

Quem lha fora lá levar.

Forte cidrão é este

Para um homem cheirar.

– Ó minha mãe, eu morro,

Abafo do coração

Que os olhos de D.Cales

São de mulher, de homem não.

– Convida-o meu filho, convida-o,

Para contigo passear,

Que se ela mulher for

Às fitas de há-de atentar.

– Forte fita para uma dama

Quem lha fosse lá levar;

Fortes alças e chapéus

Para um homem comprar.
– Ó minha mãe, eu morro,

Abafo do coração

Que os olhos de D.Cales

São de mulher, de homem não.

– Convida-o meu filho, convida-o,

Para comigo nadar ,

Que se ela  for mulher,

Mil escusas te há-de dar.

– Adeus, que me vou embora,

Adeus meu conde e senhor;

Há dois anos que o serve

Esta Dona Leonor

(Celorico de Basto)

Coelho, Adolfo. Festas, Costumes e outros materiais para uma Etnologia de Portugal, Vol.I, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1993

PS: Podemos escutar uma adaptação deste romance pela voz de Amélia Muge na música “Donzela Guerreira” inserida no álbum “Novas vos trago”, Vários  Artistas.

Written by madameclock

Janeiro 2, 2008 at 5:57 pm

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Mama-na-Burra

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historia-do-mama-na-burra-ed-minerva.jpg

Ana Alves não inventou o conto do Homem da Bengala de Ferro; afiançou-me que mo contava tal qual lho contaram há longos anos e eu tive uma primeira prova da verdade do que ela me dizia quando uma rapariga da Foz do Douro, que não sabia da existência da narradora de Ourilhe, nem mesmo da existência de tal lugar, me contou com uma forma mais rude e complicada o mesmo conto, que passo a transcrever fielmente.

 

“Era uma vez um homem e uma mulher e não tinham filho nem filha; a mulher já era velha e disse assim para o homem:

– Homem, nós não temos um filho para herdar o que nós temos. E depois o homem disse assim:

– Tu, mulher, que queres; é vontade de Deus, que se lhe há-de fazer. Deus deu-lhe um filho, mas ele crescia da noite para o dia e na primeira noite que nasceu comeu dois pães moletes de pataco; a pontos que a mulher não tinha leite para criar o menino; compra (com sua licença) uma jumenta para ele mamar. Chamavam-lheo Mama-na-Burra.

Ela já não tinha mais que lhe dar que comer; o menino já tinha sete anos e disse ao pai que queria uma espada que tivesse vinte quintais de ferro; o pai foi encomendá-la ao ferreiro; a espada no fim de dois meses estava feita e o ferreiro disse que a fosse buscar e que levasse dois carros e duas juntas de bois e depois antão o pai mandou o filho buscar a espada; ele chegou ao ferreiro pediu a espada e diz o ferreiro assim:

– Que é dos bois e do carro?

– Não é preciso os carros, que eu pego nela.

O ferreiro apostou como ele não pegava na espada; se ele pegasse na espada o ferreiro devia dar a ele seus contos de réis e se ele não pegasse dar-lhe-ia o Mama-na-Burra outro tanto.

Ele foi pedir o dinheiro a um tio rico, que tinha, para depositar ao ferreiro; pegou na espada e andou com ela e o ferriro perdei assim a aposta.

Ele foi levar ao tio o dinheiro que lhe tinha pedido emprestado; o tio disse que o desse a sua mãe para os fins da vida dela. Ele chegou a casa do pai e deu-lhe quatro contos e ficou com dois e foi viajar terras e levava a espada.

Chegou a dois caminhos e viu um lavrador a lavrar e perguntou-lhe que caminho havia de seguir e ele pegou no carro e nos bois e arado e tudo numa mão e foi-lhe ensinar o caminho.

E diz o moço assim para o lavrador:

– Vocemecê é tão valente! Pega em tudo numa mão e vem-me ensinar o caminho.

– Sou valente, mas consta-me que há um chamado Mama-na-Burra que é ainda mais valente que eu.

Mas o moço não lhe disse que era o Mama-na-Burra.

Ele foi indo, indo e chegou a um pinhal e viu um homem a deitar pinheiros abaixo; o homem já tinha oito pinheiros no chão e andava a botar mais quatro para fazer o feixe e diz-lhe ele:

– Você é tão valente que é preciso doze pinheiros para fazer o feixe para botar às costas.

-Sou, mas consta-me que há um chamado Mama-na-Burra que ainda é mais forte que eu.

E ele disse-lhe se ele queria ir dom ele que lhe dava oito vinténs por dia.

Foram indo ambos e encontraram um homem a arrasar montanhas; cada vez que botava a enchada à terra arrancava três carros. O Mama-na-Burra disse-lhe assim:

– Vós sois tão valente que botais três carros de terra abaixo.

– Sou, mas consta-me que há um chamado Mama-na-Burra que ainda é mais forte que eu.

Depois ele disse-lhe o mesmo e foram andando todos três e depois foram indo e encontraram umas casas no meio do caminho e perguntaram a uma mulher se ali havia alguém que desse dormidas. A mulher respondeu-lhe que estava ali uma casa, mas que quem lá entrava não tornava a sair. O Mama-na-Burra foi e bateu à porta e depois falou-lhe uma mulher e disse-lhe que só se eles quisessem ir para a cozinha, e ele foi.

A primeira noite ficou lá o Tomba-Pinheiros e quando era meia noite veio o diabo pela chaminé abaixo e veio lidar com o homem a ver se o podia matar para o levar para o inferno. E depois Tomba-Pinheiros pôde mais que o demónio e este foi-se embora. Ao outro dia Tomba-Pinheiros estava muito triste, mas não disse aos outros o que lhe tinha acontecido.

À segunda noite ficou lá o Arrasa-Montanhas e o diabo tornou a vir e o Arrasa-Montanhas pôde mais que ele e o diabo pegou, foi-se embora.

A terceira noite ficou o Mama-na-Burra; veio o diabo pela chaminé abaixo e o Mama-na-Burra quando o viu disse:

– És tu?

E pegou na espada e traçou-o ao meio e o diabo meteu-se por uma rama abaixo e o Mama-na-Burra chegou pela manhã e disse para os outros:

– Havemos de arrimar aquela rama.

Arrimaram a rama e viram um poço fundo redondo; arranjaram umas cordas e um cesto e os outros a segurar na corda: chegou ao meio do poço e viu muitos bichos e não pôde passar para baixo e tocou a campainha para os outros o içarem para cima.

Chegou acima e foi o Arrasa-Montanhas e chegou ao meio do poço e viu muitos bichos e não pôde também passar. Por fim disse o outro:

– Agora é que cá vai o Mama-na-Burra – dando-se só então a conhecer aos companheiros.

Chegou ao meio do poço e com a espada conseguiu passar para baixo; chegou lá abaixo e viu uma sala muito bonita e viu lá três meninas encantadoras e eram todas três filhas de um rei e elas perguntaram-lhe:

– Menino, quem vos trouxe aqui?

E ele disse:

– Fui eu que quis vir.

Disse uma:

– Vai-te embora, senão vem o meu encanto e mata-te.

Perguntou ele:

– O que é o teu encanto?

– É uma serpente.

– Não tem dúvida.

Veio o encanto e disse à princesa.

– Tens cá carne humana.

– Não tenho.

O encanto entrou e o menino deu-lhe com a espada e matou a serpente. Ele desencantou a menina que lhe deu um lenço marcado em todas as pontas com o nome dela. Ele meteu-a dentro do cesto, tocou a campainha e os companheiros içaram-na. ele foi à segunda que também o mandou embora. Perguntou-lhe o que era o encanto dela e ela disse-lhe que era uma bicha. Veio o encanto que perguntou se tinha carne humana e o Mama-na-Burra matou-o. Ela deu-lhe uma maçã dourada e ele fê-la também içar.

Depois foi a derradeira e perguntou-lhe o que era o encan to dela e ela disse-lhe que era o diabo maioral. Quando o menino viu o demónio disse:

– Oh! a ti mesmo é que eu cá queria. – Pegou na espada e cortou-lhe uma orelha fora e meteu-a no bolso e a menina passou-lhe a mão por cima do cabelo e dourou-lhe o cabelo e ele tocou a campainha para a guindarem.

Ele ficou sozinho dentro da casa e meteu uma pedra dentro do cesto e tocou para içarem e eles quando viram que estava o cesto no meio do poço deixaram-no cair pensando que era o Mama-na-Burra. Eles fugiram com as três princesas e ele trincou a orelha do demónio dentro do poço e o demónio apareceu-lhe e disse-lhe:

– Tu que queres?

– Quero que me botes lá em cima.

– Dá-me a orelha.

– Dou; põe-me lá em cima que eu dou-ta.

O demónio pegou nele e pô-lo lá em cima do poço e o Mama-na-Burra não lhe deu a orelha. Avistou os outros dois muito longe a fugir com as princesas para o palácio. Pegou ele e seguiu atrás deles; não podia ir pelo caminho que todos lhe cobiçavam o cabelo; foi a um matadouro onde se matavam bois; pediu uma bexiga de boi para meter na cabeça e foi indo, indo até a casa de um lavrador defronte do palácio do rei pediu que fazer e o lavrador deu-lhe que fazer.

O lavrador não tinha mais que lhe dar a fazer, nem mais que lhe dar a comer. Num domingo tinha de haver uma corrida de cavalos à porta do palácio do rei por causa dos banhos de uma filha do rei; o demónio foi-lho dizer e ele disse-lhe que lhe aprontasse o melhor cavalo que houvesse e foi para a corrida sem ser convidado. era o melhor cavaleiro que lá andava; perguntaram-lhe donde ele era e ele dizia que era um viajante que ia correr terras.

Convidaram-no de lhe fazer um circo de espadas e peças; se ele não obedecesse e não dissesse donde era que o matariam; o demónio soube-o e foi avisá-lo e disse-lhe que se livrasse das espadas que ele diabo o livrava do fogo.

O Mama-na-Burra não obedeceu a nada; o cavalo, que era o próprio diabo, pinchava por cima das espadas; e quando iam a atirar o fogo este não pegou, porque o diabo tia-lhe ido mijar. assim o Mama-na-Burra escapou. Pescaram para onde ele entrou; foi o rei convidá-lo para jantar; o demónio disse-lhe que fosse e ele foi.

Quando entrou pelo palácio dentro as princesas viram-no da janela; elas diziam sempre ao pai que não tinham sido aqueles homens que as tinham desencantado e depois começaram a dizer ao pai que aquele homem é que as tinha desencantado; disseram que lhe tinham dado prendas. O rei perguntou-lhe por elas e ele mostoru-as todas três e perguntou às princesas se eram aquelas e elas disseram que sim. O rei disse que escolhesse delas as que quisesse e ele não escolheu; trincou a orelha ao demónio e o demónio apareceu e disse-lhe:

– Que queres?

E pediu-lhe a orelha.

– Dou-te a orelha, mas hás-de dizer-me qual delas é que tem melhor génio.

E ele respondeu-lhe:

– Leva-as todas três para dentro e cá de fora pede-lhe o dedo mendinho da mão direita pelo buraco da fechadura. – a que tivesse uma cova na cabeça do dedo era a que tinha melhor génio.

Ele assim fez; a primeira que veio era a que tinha a covinha e tinha sido a que lhe dourara o cabelo.

O rei perguntou-lhe o que queria que se fizesse aos outros dois.

– A um mandai-o deitar do poço abaixo; e ao outro andar em volta do jardim agarrado ao rabo (com licença) do cavalo e um homem a chicoteá-lo até ele morrer.

Acabou.”

 

Coelho, Adolfo. Festas, Costumes e outros materiais para uma Etnologia de Portugal, Vol.I, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1993

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Janeiro 2, 2008 at 5:43 pm

Publicado em conto, etnografia, minho

para a inflamação dos seios da mulher

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Quando Deus andava pelo mundo foi dormir a uma casa; o dono dela era muito bom e a mulher muito ruim. a mulher fez-lhe a cama sobre uma grade e por baixo estava lama, e depois de noite começou a doer muito um peito à mulher que tinha leite; ela estava muito mal e o homem perguntou se ele (o Senhor), como andava por muita terra, se lhe saberia dar um remédio à mulher; e o Senhor disse-lje: “olha, faz-lhe três cruzes e diz:

O Senhor pediu pousada;

Bom homem lhe deu pousada,

E má mulher lhe fez a cama,

Numa grade sobre lama.

Sara peito, sara mama.”

Coelho, Adolfo. Festas, Costumes e outros materiais para uma Etnologia de Portugal, Vol.I, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1993

Written by madameclock

Dezembro 28, 2007 at 2:07 am

Orações e Ensalmos do Minho

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minho.jpg

Imagem retirada daqui

Written by madameclock

Dezembro 28, 2007 at 1:37 am